sábado, 13 de setembro de 2014

ALUÍZIO E SATÔ - UMA HISTÓRIA DE AMOR



Os que conhecem a obra de Aluízio Azevedo, sabem bem que, como fiel seguidor da escola Naturalista, sempre procurou mostrar, dento do matiz da época, todos os desdobramentos de uma sociedade, suas transformações e, sobretudo, suas mazelas, sempre fazendo do pano de fundo de suas histórias seu maior personagem; mas ele, igualmente, foi protagonista de uma grande história de amor, nos seus tempos no serviço diplomático; no seu primeiro posto, em Yokohama, Japão, tomou-se de amores por Satô, uma jovem gueixa que trabalhava em uma casa de chá nas proximidades do consulado; de intensa paixão torna-se amor tórrido, que vence o antes taciturno Aluízio; vive cada dia desse amor como se fosse o último, como a prever que não duraria; transferido para La Plata, Argentina, insta em querer levá-la, mas Satô, presa a uma dupla tradição - a primeira é que uma gueixa tinha de cumprir um "tempo de obrigação" que a prendia à casa em que servia; a segunda, ela não poderia se desligar de seus pais, já muito velhos, obrigada igualmente pela tradição a cuidar deles até que morressem; a última vez que a vê é exatamente quando se despede dela no cais,a caminho de seu novo posto; os colegas que serviram com ele na Argentina lembram-se dele como "macambuzio, de rosto fechado, raramente a entabular conversa; muitos sabiam quem ele era pelos livros que tinham lido, mas ele parecia nem querer se lembrar desse tempo, como se fosse nada, um quê sem importância"; uma vez conseguiram arrancar dele apenas uma frase, quase um desabafo:
"Hoje não preciso mais escrever romances para comprar melões". Morreria no estrangeiro, e, dizem os que arranjaram o seu funeral que, no ataúde, entrelaçado junto ao terço que trazia nas mãos, uma fita de seda bordada, que enlaçava um ramalhete de flores dessecadas de cerejeira...


terça-feira, 9 de setembro de 2014

RETURN TO A VIEW - UM CONTO



Florença, Agosto de 1977

"Debruçou-se na janela e contemplou longamente o Duomo, deixando os sentidos livres para absorver todas as sensações daquele momento; parecia que nada havia mudado; os mesmos eflúvios, a mesma brisa soprando do Arno, o farfalhar das asas dos pombos em revoada, o cheiro dos produtos vendidos; a música, esta sim, tinha mudado; não mais as dolentes canções de amor, mas uma mistura de ritmos que ia desde os latinos ao rock. Procurou isolar isso, retendo apenas o que tinha  de lembrança...
Os dedos correram pela velha esquadria de madeira, como que procurando algo; logo ela cedeu um pouco no ponto onde ele buscava, revelando um pedaço de couro velho, amarrado por um cordão também de couro; puxou-o e tomou nas mãos, desenrolando-o sem pressa; dentro dele, um pedaço de papel, igualmente enrolado e amarrado por um cordão dourado; ele não continha mais as lágrimas enquanto abria o cordão e desenrolava o pedaço de papel; reconheceu a caligrafia elegante, o jeito suave das letras, respirou fundo e leu;

'Florença, Agosto de 1910,
Caro Robert,
De três coisas uma: ou leremos juntos esta carta, ou lerei eu sozinha ou você sozinho; não importa; a promessa que fizemos foi que , no dia que pudéssemos, voltaríamos a este mesmo lugar e abriríamos para ler o que escrevemos no começo de nossas vidas, para ver quão sonhadores fomos e quanto poderíamos ousar sonhando até realizarmos tudo, para apenas descobrir que ainda haveria tanto a sonhar e realizar, logo eu , que sempre fui tão cheia de realidade, tão presa no chão com meus pés; me ensinaste a voar, a alcançar o céu, a viver cada parte de mim sem ter pressa de descobrir tudo; me deste com teu amor asas pra alcançar lugares onde jamais eu tinha ido; agora, meu amor, voemos juntos, até onde nossa vista alcançar; te amo, Meu Robert, e te amarei por todos os dias da minha vida. Te fiz prometer que jamais veria o conteúdo desta carta até que se cumpra o nosso tempo, ou passaremos para os filhos, que poderão ler o que vivemos então; que nosso amor seja o supremo arauto de nossa felicidade...

Amor por toda a vida,
Sua 
Lucy'

Ele ficou em silêncio por longo tempo, as lembranças daquele amor preenchendo os pensamentos; logo o silêncio foi quebrado por batidas leves na porta, a voz da filha e da neta  preenchendo o pequeno quarto.
- Está tudo bem, papai? - Perguntou a filha com ar preocupado - Não vimos o senhor descer para o café da manhã...
- Está tudo bem, filha, tudo bem. Venham aqui, quero mostrar uma coisa.
Ele mostrou a elas então o que encontrara e contou a história de como tudo aconteceu. O semblante curioso da filha e da neta deu lugar à emoção, e as duas se abraçaram e choraram.
- Não chorem, não é uma história triste; ela está mais viva do que nunca em cada palavra que nós lemos; ela não gostaria de nos ver assim, não é mesmo?
Desceram para o desjejum e depois passearam pela Piazza del Belvedere,  ele reconhecendo cada lugar e contando para a filha e a neta a história de como ele e Lucy se conheceram; de repente, pareceu a ele sentir uma presença familiar; virou-se ligeiramente e a vislumbrou, os mesmos olhos verdes, o mesmo cabelo castanho, o mesmo sorriso encantador, vestida no redingote azul e com o chapéu de palha com um botão de rosa...
Ela sorria...