domingo, 21 de junho de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - BELÉM - PARTE V


No dia seguinte não teve tempo para pensar em outra coisa senão nos croquis que Emília havia enviado; imaginava como poderia viabilizar aquele projeto, que tinha, como sói acontecer nesses casos, forte marketing político; a amiga a visitou na parte da tarde, onde aproveitaram para conversar sobre a participação na empreitada.
- Bom, Eliza, não é necessariamente o seu escritório, mas você; quero que você supervisione tudo do começo ao fim, sem deixar um detalhe de lado.
- E quando os trabalhos estão previstos para começar?
- Logo que você examine tudo para dar seu parecer. A licitação foi aprovada, e, nesse caso, você tem de apresentar um orçamento para que tudo fique em ordem e possamos iniciar.
-Precisarei de pelo menos uma semana para examinar tudo. Preciso igualmente examinar os locais que serão de alcance do projeto, para determinar um parecer mais exato.
-Sem problemas, cara amiga; agora, porque não jantamos e falamos de amenidades? Por exemplo, se tem aproveitado para conhecer a cidade, se não se importar, é claro.
- Nem um pouco – sorriu, relaxando a expressão –podemos jantar aqui mesmo? Não estou com muita disposição para sair.
- Vamos encomendar algo para jantar então; conheço um restaurante japonês bem tradicional na cidade, podemos pedir algo de lá.

Eliza assentiu com a cabeça; estava mesmo indisposta, mais pelas coisas que martelavam sua cabeça do que pelo cansaço; adorava comida japonesa e iria aproveitar bem o jantar. Só esperava que a conversa não fosse desagradável...

Emília, de pronto, sacou do celular e discou o número do restaurante; em minutos já havia feito o pedido e ligava para que Jeremias, o motorista, fosse buscar a encomenda, dispensando o entregador. Vinte minutos depois o interfone anunciava a chegada da refeição, que foi muito bem consumida pelas duas, entre conversas entrecortadas. Mais uma vez ela perguntou do passeio, se tinha apreciado as construções da cidade velha e se tinha gostado da atmosfera da cidade. Eliza procurou ser solícita sem necessariamente ser muito explicita, pois sabia que ela quereria saber das visitas ao bairro da Pedreira; mesmo correndo o risco da desconfiança, tinha pedido ao motorista que fizesse discrição do que havia ocorrido.

O jantar tinha corrido bem.

Despediram-se num abraço cordial, combinando para, dentro de dois dias, visitarem o local do projeto; Eliza estava de bom humor e sorria quando acompanhou Emília até a porta...

Na manhã seguinte, não ligou requisitando novamente Jeremias; queria ir na casa de Albertina sozinha, sem qualquer pessoa estranha perto; queria ter tempo de sobra para conversar mais, saber de mais coisas da ligação do seu pai com o avô daquela senhora. Saiu do flat logo depois do café, tomando um táxi de um posto próximo; pediu ao chofer que fosse para o endereço o mais rápido possível, pois tinha um compromisso urgente lá; tinha um pressentimento estranho, um algo dentro de peito que não sabia o que era, mas que crescia à medida que ele achegava mais perto.

Ao chegar viu a neta na entrada da casa, num gesto de ansiedade contida, como se esperasse algo acontecer.
- O que está havendo? Onde está Dona Albertina?
- Ela está muito doente, senhora, liguei pro SAMU mas estão demorando demais; a senhora pode ajudar, por favor? – disse a jovem, os olhos já marejados – ela está assim desde ontem, não sei mais o que fazer.

Eliza então ligou para o serviço médico de emergência de seu convênio, e entrou na casa, guiada pela jovem; logo ao chegar no quarto, conteve uma expressão de horror...

Dona Albertina estava na cama, uma compressa sobre a cabeça, respirando com dificuldade; a expressão parecia ter perdido toda a cor, apenas os vivos olhos verdes pareciam ser mais fortes do que o resto dela; esses mesmo olhos se avivaram mais ainda ao ver Eliza chegar; ela quis gesticular, mas teve suas mãos contidas
- Por favor Dona Albertina, relaxe, o socorro já está vindo

E, como de praxe, a ambulância do convênio chegou bem antes, os paramédicos fazendo o primeiro atendimento e colocando a senhora na ambulância; Eliza resolveu acompanhá-la, o veículo tomando a direção do Hospital Central...

Foram exatamente duas horas de uma espera terrível; Eliza apenas acompanhava o vai-e-vem de médicos e enfermeiras, sem nenhuma nova do estado de saúde de Dona Albertina; entre um e outro copo d’água, ela e a jovem neta compartilhavam a ansiedade por notícias; enfim, um jovem medico trouxe as tão esperadas novidades
- A senhora é a Dona Eliza? – Perguntou calmamente o médico – tenho já o boletim do estado de saúde de Dona Albertina; peço, para que ela se recupere melhor, que a senhora não faça alarme do que vou dizer.

A expressão grave no rosto do jovem médico não era, de forma alguma, portadora de boas notícias; Eiiza concordou e esperou pelas palavras do médico
- Dona Albertina sofreu um sério acidente vascular, causado por um aneurisma; conseguimos contornar o problema, mas não sabemos como ela ficará; ainda é cedo para se dizer se ela terá sequelas ou pode se recuperar de todo; só nos resta agora esperar pela recuperação plena.
- Podemos falar com ela agora doutor? Perguntou ansiosa a jovem
- Ainda não, pois ela está sedada e continua em observação; só podemos deixar que um acompanhante fique com ela esta noite; regras do hospital, espero que entendam;
- Fique então – disse Eliza à jovem – eu preciso descansar um pouco depois de tudo isso; esse é o meu número de celular; me ligue assim que precisar de alguma coisa, eu virei de imediato.

A jovem guardou o número no bolso e acompanhou o médico ao quarto de Dona Albertina; Eliza os viu se afastar até virarem um corredor que conduzia à ala dos apartamentos; depois tomou um táxi de volta ao flat, onde, logo ao chegar, serviu-se de uma generosa dose de uísque com gelo, no intuito de forçar o sono. Sabia que ele iria demorar a chegar.

E, de fato, não chegou