sábado, 28 de junho de 2014

EU SEI POR QUÊ E VOCÊ TAMBÉM


"O salão estava apinhado. A orquestra de Harry James caprichava nos acordes e os casais dançavam absortos; apenas ele permanecia na mesa, pensativo; já decorara todos os detalhes da missão e revisava tudo a cada momento, procurando não esquecer de cada detalhe que tinha sido passado pelo coronel Sink. Seu batalhão iria liderar o salto na França, logo atrás dos Pathfinders, que marcariam as zonas de salto. Tudo estava azeitado e sincronizado como um relógio...

Procurou prestar atenção na orquestra, que agora apresentava a canção "I've Heard That Song Before" e ele reconheceu prontamente a bela voz de Helen Forrest, a sensacional vocalista da banda.


Isso relaxou-o um pouco e ele batia os pés no ritmo da canção. Era uma das prediletas dele e o fazia lembrar de dias felizes em Manhattan, em tempos diferentes; virou-se para ver melhor e esbarrou com uma oficial do corpo auxiliar do exército, quase derrubando o coquetel que ela carregava.
- Parece que estamos um pouco nervosos aqui, não, major...? - Riu, o sorriso iluminando o rosto emoldurado por um cabelo cortado curto, em um estilo elegante.
- Thomas Woods, 2o. Batalhão, 506 Regimento de Paraquedistas, 101a Divisão.
- Ora, ora, ora, um paraquedista! - Sorriu novamente, de um jeito descontraído - Bem, falemos de igual para igual então. Major Leslie Maxine Firebrand, corpo auxiliar.
Ele apertou a mão dela cerimoniosamente, um tanto tímido talvez. Ainda carregava as cicatrizes do divórcio feito há um ano, quando comunicou à mulher , Carol, que se alistaria nos paraquedistas; isso gerou um conflito que acabou na separação e no consequente divórcio, que só não foi mais traumático porque não tinham tido filhos
- Muito prazer , Major Firebrand - respondeu, um tanto sem jeito - espero que esteja apreciando a festa.
- Bem, major Woods, se prefere ser chamado assim, eu esperava alguém, mas acho que não vir deve ter sido a maneira dele dizer que não íamos muito longe; prefiro que me chame de Leslie.
- Tudo bem se não se incomodar em me chamar de Thom. Aceita um coquetel? Preciso compensar o que quase derrubei - disse, num sorriso mais descontraído.
- Aceito sim; um Manhattan, se não se importar. Gosto de coquetéis fortes.
- Sem problemas. Eu a acompanho.
Ele foi até o bar e trouxe os coquetéis, a conversa fluindo mais espontânea. Era a primeira vez que tinha companhia feminina em muito tempo desde o divórcio. Evitava os casos com as enfermeiras da base, pois ainda não se sentia seguro pra engrenar nenhum relacionamento com ninguém. Mas ela era diferente; bem articulada, ainda com um sotaque da Virgínia que a fazia ainda mais atraente; de repente a orquestra começou "It's been a long, long time", com a inconfundível voz de Helen Forrest.
Sem que os dois sequer mencionassem palavra , um seguiu o outro para o salão, onde começaram a dançar. Sem palavras, ficaram mais próximos, se deixando levar pela canção, esquecendo, mesmo que por um instante, que era no meio de uma guerra que a música soava...
Amaram-se da mesma forma espontânea como se conheceram, parecendo saber um do outro como se há anos se vissem; ele quis dizer algo, mas ela levou os dedos aos lábios dele, não o deixando falar.
- Não diga nada e não prometa nada; apenas retorne, apenas isso. Eu estarei esperando as notícias que vierem...
O rádio tocava "I know why and so do you", com a orquestra de Glenn Miller, quando ele saiu do hotel de volta à base...


Agora, o som que ele ouvia era o do ronco dos motores do C-47 que transportava o estado maior do batalhão. Mesmo nesse momento, ele ainda pensava nela, em cada parte, em cada sorriso, em cada volta no salão de dança...
O ronco dos motores se misturava agora ao pipocar dos disparos da artilharia antiaérea, que indicava que eles haviam chegado ao objetivo. Agora, era apenas questão de minutos...Era dia 6 de junho de 1944...
A luz verde se acendera. Hora de saltar...