domingo, 20 de setembro de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE XII


Eliza e Walter cuidadosamente arrumaram as cartas e as recolocaram no veludo; só depois notaram um outro pacote, amarrado com uma tira de couro macio; desamarraram-no e o conteúdo se revelou um novo amontoado, dessa vez de datas mais recentes, já do século XX; pareciam postais, junto de um grupo de cartões que, retirados, revelaram ser fotos de viagem, em diferentes lugares e situações; outro grupo revelou novas fotos, mas desta vez eram as de um jovem em uniforme militar que Walter reconheceu sendo da I Guerra, com o quepe e a bandoleira diagonal típicas da cavalaria da época; virando-a , pôde ler no verso, “Charlton Manor, Sussex, September 12, 1914, Lieutenant George Charlton Meira Crawford, Royal Yeomanry”. O jovem tinha olhar firme e o peito estufado demonstrava o orgulho com o qual a foto foi tirada. Outra foto o mostrava montado, com todo o equipamento, como que aguardando ordens; a legenda atrás dizia: “Bois de Quevrecháin, October, 22, 1914.


Entreolharam-se de forma cúmplice enquanto arrumavam tudo, deixando o pacote em cima da mesinha pequena ao lado da espreguiçadeira; o dia se revelara uma surpresa, mais uma entre tantas descobertas cada vez que se abria algo relacionado às coisas do pai dela;

Ela tirou um pendrive de uma gaveta e inseriu no aparelho de som; os acordes de “Rhapsody in Blue” de Gershwin preencheram a sala, enquanto os dois sentavam no sofá; recostaram-se um no outro, abraçados em silêncio enquanto a música enchia a sala; lá fora, o burburinho dos carros no trânsito noturno.


No dia seguinte, despediram-se na intensidade que os dois viviam cada vez mais plenamente; ela se surpreendia com a descoberta de sensibilidades que não imaginava possuir; ele se encantava com a maneira que o querer dos dois combinava; amaram-se mais uma vez antes de cada um seguir seu caminho, não sem antes combinar de se encontrarem logo depois do expediente; o olhar dela ansiava que ele ficasse; o olhar dele era a luta entre a vontade e a responsabilidade...

O dia no escritório foi de muito movimento; havia um recado da Secretaria de Obras da Prefeitura, sobre um workshop de Patrimônio com delegados da UNESCO; Eunice passava a agenda do dia enquanto ela revisava documentos sobre projetos propostos, assinalando os que tinham prioridade dos que não valiam nem uma passada de olhos; respirou fundo enquanto pensava nas pessoas que ainda tinham a visão leiga de que “arquitetos podiam fazer milagres”.

Ainda pensava em tudo que acontecera; o leve recordar de tudo arrepiou a espinha; parecia ainda sentir os toques, os beijos, o afago, a explosão e o arrefecer enlaçados; procurou voltar o foco para a agenda; Eunice notou algo diferente nos olhos da chefe, algo rápido, mas que a fez perder o prumo, recobrou-se igualmente e continuaram a organizar os compromissos do dia e da semana; depois de tudo arrumado, saiu para organizar as reuniões do dia e os relatórios de projetos; ao fechar a porta, lembrou-se da expressão nos olhos da chefe, poucos segundos que pareceram , para a jovem, significar muito; era por demais conhecedora das emoções, as vivia intensa e livremente e reconheceu aquele olhar mais que qualquer coisa.

Tinha certeza de que a chefe se apaixonara...