segunda-feira, 16 de novembro de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE XVIII


Eliza sorriu enquanto ele conferia o GPS.

A bucólica paisagem campestre inglesa era um alívio, depois do burburinho londrino; ele imaginara uma cidade fleumática, de tipos formais e silenciosos; espantou-se com a agitação, que ele achava tão tipicamente americana.

- Essa Londres é bem dos livros de mistério ou de peças de teatro, meu amor; depois dos Beatles e dos punks, ela jamais foi a mesma, mas mesmo assim é encantadora – disse ela, divertindo-se com o espanto dele.

Sorriram juntos, enquanto seguiam adiante.

As estradas rurais, mesmo com seu visual encantador, revelaram-se um desafio; mesmo ela , tendo residido algum tempo no país, jamais se aventurara fora de Londres sozinha, e, quando viajava, sempre era com alguém que conhecesse bem o caminho; por sorte, tinham descoberto no apartamento de Derek um guia das casas de campo da região, onde Charlton House aparecia como uma das mais antigas casas descritas; “vai ser mais fácil assim”, pensou ele.



Isso seria mais fácil dizer do que fazer.

Embora figurasse como uma das casas mais antigas daquela parte, havia pouca coisa sobre a localização, que , segundo o guia, dava apenas uma referência de uma colina próxima, densamente arborizada, que a fazia ficar oculta aos que vinham pela estrada.

Uma estrada vicinal de macadame, quase escondida pelas cercas-vivas que estavam nos lados da rodovia, revelou uma placa onde se via “CHARLTON HOUSE 2 miles”; a estradinha era emoldurada por pedras toscamente talhadas, que davam um aspecto antigo; rumaram por ela até que chegaram a um portão escuro, onde letras douradas formavam um monograma que, certamente, deveria ser o dos Charlton; Eliza desceu e se dirigiu até o portão, apertando a campainha para ver se era atendida; uma voz misturada com estática perguntou se eram visitantes, pedindo que voltassem em um hora, pois o horário de visita guiada começava por volta de duas da tarde; Eliza respondeu num tom firme, e, dentro de poucos minutos, o portão se abria, revelando, no alto da colina, a casa que os tinha intrigado tanto; Walter reparou na cerca branca a uns cem metros da casa, nos fundos, mas procurou prestar atenção no caminho até a entrada. Já os esperava uma mulher aparentemente de meia-idade, cabelos brancos arrumados num coque elegante e de olhos azuis expressivos.


- Bom dia, espero que sua viagem tenha sido agradável – disse a mulher em um tom formal, de uma cortesia que parecia camuflar sua verdadeira expressão – Sou Mavis Lockhart, governanta e curadora de Charlton House; no momento, o senhor Mark Charlton se encontra em Paris a negócios, mas se eu puder ajudar, podem falar comigo.
- Muito agradecidos , Sra. Lockhart.
- É Senhorita Lockhart, minha cara, eu sou filha única , e o trabalho de cuidar de meus pais não deu-me tempo para ter família.
- Perdoe-nos então , senhorita; estamos em viagem pela Inglaterra e aproveitamos para conhecer a casa, pois tem um pouco a ver com uma pesquisa que estou fazendo

Eliza, então, contou a Mavis toda a história desde o princípio, desde o testamento do pai até a circunstância que a levou até lá; a governanta a fitava com olhar inquisidor, como se cada parte da história acendesse uma luz em seus pensamentos; por fim, ela conduziu Eliza até uma sala próxima do vestíbulo, onde uma galeria de retratos de família dominava a decoração; no quadro maior, a família composta do marido, da esposa e dois filhos, uma menina, mais velha, aparentando ter quatorze ou quinze anos, a esposa, sentada numa cadeira de espaldar alto, e um menino, que deveria ter uns oito ou nove anos, abraçado à mãe; ela notou que o homem não assumia a pose formal geralmente encontrada nos retratos de família, mas trocava olhares cúmplices com a esposa e os filhos; outros retratos mostravam as mesmas crianças, mas desta vez não eram pinturas, mas daguerreótipos que mostravam cenas de viagem, de lazer e mesmo de um casamento de família.
- Aqui, um pouco da história da família, minha cara; a propósito, seu nome...
- Eliza Thomaz, sou arquiteta e tenho um escritório no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro;
- Interessante! Há algum tempo uma outra pessoa com este sobrenome esteve aqui, em busca de alguns documentos; a senhora por acaso sabia que, naquele retrato de família que viu, o marido de Lady Charlton era um brasileiro? Ela o conheceu quando o pai tinha negócios naquele país, há mais de cem anos.
- Essa pessoa seria por acaso um jornalista chamado Silvano Thomaz?
- Eu creio que sim; ele deixou aqui um cartão de visita que eu devo ter guardado; ele é seu parente?
- Ele era meu pai, senhorita; e eu estou aqui, como já expliquei, para concluir um trabalho dele. Ele faleceu recentemente e deixou esse trabalho inacabado.
- Eu sinto muito senhora, espero que esteja tudo bem.
- Não se preocupe, isso já ficou para trás; espero não incomodar mais que o necessário
- Não, não será incômodo, por favor, me acompanhe.

Walter e Eliza a seguiram, imaginando que histórias a casa poderia contar...