sexta-feira, 23 de outubro de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE XVI


O voo chegara em Heathrow com uma hora de atraso.




Desembarcaram com a preocupação de que Derek e Sonja, os amigos de Eliza que moravam em Londres, se desencontrassem deles; viram depois de sair do avião a densa neblina que rodeava o lugar; aquela paisagem já era comum para ela, que tantas vezes visitara a cidade, mas era uma completa novidade para ele, que apenas tinha noção por meio de livros, filmes e material publicitário; agora, era uma realidade que se apresentava; ela segurava firme a mão dele, caminhando em passo apressado, tentando ficar em um lugar que agilizasse a recuperação da bagagem; a azáfama de pessoas e a babel de idiomas que circulavam ali pareceu tonteá-lo.



Derek e Sonja esperavam em um dos cafés próximos e, assim que viram Eliza e Walter se aproximarem, acenaram; Eliza sorriu ao reconhecê-los e Walter sorriu igualmente, respondendo ao aceno. Derek era alto, de cabelos louros finos e olhos azuis, enquanto Sonja tinha cabelos negros e olhos castanhos; abraçaram Eliza efusivamente, pois fazia tempo que não se encontravam, a correspondência esporádica de alguns e-mails trocados ocasionalmente; mas o laço de amizade que os unia era grande; Sonja estudara com Eliza e Derek era um grande amigo que ela apresentou, dando um empurrãozinho para que o relacionamento decolasse.

Agora, ela estava surpresa por ver a amiga com um relacionamento sério; sempre vira Eliza como uma pessoa focada no trabalho, sem muito tempo ou disposição para nada além de estudos e projetos; mesmo o sorriso dava novos are, como se tivesse nascido uma outra pessoa. Walter simpatizara com eles e quebrou-se o gelo quando falaram em português fluente; embora dominasse bem a língua inglesa, ainda estava se acostumando com a atmosfera para ficar à vontade.

Depois de tomarem café, Derek os levou até o estacionamento, onde o carro já esperava; depois de muito tempo de trânsito intenso, chegaram ao apartamento dele no bairro de Bayswater, onde sugeriu que tomassem um banho, trocassem de roupa e descansassem um pouco, antes de começar a andar pela cidade.


- Mas não é o seu apartamento? Imagino que iremos incomodar.
- Nem um pouco. Será de vocês o tempo que ficarem aqui. Eu e Sonja iremos para a Itália em três dias, para passar algum tempo na Toscana; considerem minha casa a casa de vocês a partir de agora.
- Mas temos reservas; como faremos?
- Isso eu posso resolver. Não se preocupe, aproveite seu tempo aqui, vai gostar muito. Ficarei com Sonja no apartamento dela em Chelsea até o dia da viagem.

Walter foi até a cozinha, onde Eliza e a amiga conversavam e falou sobre a oferta de Derek; ela pediu que o amigo reconsiderasse, mas ele recusou terminantemente.
- Não se preocupe, minha amiga; era o mínimo que eu poderia fazer; deixe as reservas comigo; apenas você e o Walter relaxem e curtam a viagem; deixei um mapa sobre como vocês podem localizar a Charlton House; não vai ser difícil, pois ela é uma das propriedades já no começo da rodovia. Ao que parece, apenas uma pessoa toma conta do local e acho que não terão problemas.

Os amigos trocaram abraços e puseram-se a planejar para onde poderiam ir na noite londrina...

domingo, 11 de outubro de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE XV



SÃO LUIS, 1873

Ele acordou com o som dos bentevis.

Ela ainda dormia, o braço enlaçado nele, os cabelos soltos espalhados pelo travesseiro, o respirar leve e a expressão terna que o fez sorrir; parecia que ela sempre revelava um algo mais, como se, a cada tempo, uma nova e encantadora parte dela se fizesse descobrir. 




Pensou no tempo. Fazia um ano e meio que estavam casados, desde que ele criara coragem para falar dos sentimentos dele, de início com pequenas e veladas mensagens, até que finalmente falou a ela do que sentia; esperava uma solene rejeição, mas foi surpreendido com o brilho nos olhos que só os apaixonados possuem; tiveram, porém, de esperar que o período de luto pela morte do pai terminasse e foi com alegria que a cerimônia se realizou, na Igreja da Conceição, onde amigos, companheiros de faculdade e antigos camaradas de armas se acotovelaram para vê-lo se casar com Agnes. A alegria agora era parte de sua vida; tudo o que vivera antes, a dor, os ferimentos e todo o sofrimento da guerra ficaram finalmente para trás;



SÃO LUIS, 1875

O telegrama chegou por volta de onze e meia.

Ele recebeu-o das mãos do estafeta e sentiu que algo que parecia ser um presságio.

Agnes embalava o pequeno Aurélio, enquanto Anna, a mais velha, estava sentada quieta ao lado do berço. A vida corria tranquila; Júlio trabalhava como advogado da Booth Line, companhia de navegação que era responsável pelo tráfego não somente comercial, mas de passageiros entre os portos ingleses e franceses da costa atlântica e os da costa brasileira, de Manaus e Belém até o Rio de Janeiro; tinha igual dedicação com a política local, sendo um dos delegados do Partido Liberal na cidade, com uma possível indicação para disputar a vereança. Embora visse os amigos entrarem nos clubes abolicionistas ou mesmo agremiações republicanas, evitava tomar parte, pois não queria nenhum envolvimento com algo que pudesse comprometê-lo de forma tão radical; pensava no pai, um franco partidário do equilíbrio.



Mas aquele telegrama pesava em suas mãos como um aviso.

Entregou o telegrama para Agnes, que o abriu sem pressa; ela pôs o bebê no berço e afagou a filha por alguns minutos antes de abri-lo; fê-lo em movimentos rápidos e correu os olhos pela mensagem; súbito, deixou que o papel escapasse de suas mãos e recostou na poltrona com as mãos no rosto, chorando e soluçando convulsivamente; ele procurou confortá-la, mas ela não conseguia se acalmar; ele procurou acalmar as crianças, que já se agitavam com o estado da mãe; pegou o papel do chão, leu-o e entendeu o porquê;



Mr. Charlton, seu sogro, que o tinha indicado para o cargo na Booth Line, tinha falecido numa epidemia de febre tifóide em Calcutá; o corpo tinha sido transladado para a Inglaterra e Agnes precisaria voltar a Sussex, onde ficava a propriedade do pai, para ouvir a leitura do testamento e organizar os negócios e propriedades.

Não se enganara; naquele pedaço de papel, estava o sinal de que o mundo dele estava por sofrer uma mudança que ele jamais poderia imaginar...

(Continua...)

Créditos das ilustrações: Google Images

domingo, 4 de outubro de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE XIV


A proximidade dos dois era cada vez mais intensa.

Urgiam-se; as horas eram vividas como se nada mais pudesse existir passada a porta do apartamento dela ou dele; era como uma tempestade circunscrita naqueles metros quadrados, onde nenhum espaço era verdadeiramente suficiente.

Dividiam igualmente experiências de ambos os ambientes de trabalho; ele discorria os encontros de assessoria com empresários e autoridades, falava das coisas que tinha de engendrar no processo de construção de imagem e mesmo os pronunciamentos e discursos que tinha de escrever para aqueles nos quais, intimamente, sequer acreditava; ela dividia com ele as ideias e projetos que chegavam ao escritório; divertiam-se com as bizarrices que encontravam na jornada de trabalho e se admiravam das coisas interessantes que igualmente apareciam;

Mas sempre no meio de tudo o que discutiam a história das cartas e das fotos aparecia como que um lembrete de que aquele passado, que pouco a pouco se deixava descerrar, estava ali, ao alcance, como que a chamar para ser ainda mais deslindado; conversavam do assunto entre uma coisa e outra, como que a deixá-lo de lado, mas quase sempre ele voltava à baila; as fotos e os cartões postais ainda eram um mistério, pedindo para ser decifrado.


O mais importante assunto, porém, era o que planejavam enquanto abraçavam-se, antes de levantar para o desjejum; não tinham pressa; o sábado prometia ser de sol, mas não tinham sequer vontade de sair; o que mais os ansiava no momento era a possibilidade de fazer a primeira viagem juntos; ele entraria de férias no mês seguinte, ela poderia deixar o escritório sob a responsabilidade de Eunice até que retornasse de viagem; os principais projetos já estavam engatilhados e nada mais havia de importante na agenda; poderia dedicar o tempo inteiro para planejar todos os detalhes.

Pensaram em vários destinos, mas logo convergiram para uma viagem europeia; uma agência oferecia um giro de duas semanas pelas principais capitais, outra um passeio mais longo, mas de menor permanência em cada lugar; era uma decisão difícil, mas ambos queriam chegar a um plano de viagem que fosse muito bom para os dois;



Até que se lembraram dos cartões postais, que estavam com as fotos que tinham visto por último; por mais que tivessem praticamente um século de idade, poderiam ser uma interessante referência para saber por onde deveriam começar.

Resultado de imagem para early XXth century postcards collection over the table

Os dois arrumaram cuidadosamente a pilha de fotos e cartões; a maior parte era de passeios de família e os postais mostravam paisagens como Paris, Roma e Madri, mas uma foto chamou a atenção dos dois; era simples, mostrando uma casa que ela reconheceu como sendo do tipo vitoriano tardio, com mansardas no telhado e aspecto rebuscado; virou a foto e no verso estava escrito “Charlton House, Sussex, Aug, 12, 1911”; os dois entreolharam-se e não disseram nada e nem precisariam; podiam mesmo ler o pensamento do outro
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