quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

MARANHEI- A VIAGEM - PARTE 3 - FÉ,CULTURA E HISTÓRIA

“Há corações que creem em Deus que são mais duros que os dos ateus e jogam pedras sobre as catedrais dos deuses iorubás”

“Pois a nossa terra é como a casa na aldeia, e as religiões na terra são os archotes que clareiam”

(Excertos da Ópera “Alabê de Jerusalém”)

O que acreditamos nos move; nossa fé é o farol-guia que nos orienta e nos faz seguir em frente; além das religiões, nominadas e conhecidas, a fé, no seu estado mais puro, é igualmente um tesouro sem preço; mas, longe de nos envolvermos em infrutíferas discussões sobre fé e verdade, nos deixemos descobrir na diversidade do religioso e do profano, nos sons dos ancestrais e deuses d’África, no canto compungido dos conventos e mosteiros e nos mistérios das rezas dos espíritos da natureza, que todas as fés nos conduzam como a dança alegre do tambor de crioula, eco dos antigos reinos de onde as pedras fundamentais de tantas culturas e tantos credos se plantaram...Das igrejas seculares, passando pela Casa das Minas e sua  sagrada majestade, nos debrucemos nesse mosaico de religiões, cultura e história...


Nosso primeiro vislumbrar de fé foi o presépio iluminado em frente ao Palácio dos Leões, a sede do governo do estado, entre anjos irradiando luz e o clima de Natal já presente na cidade


No outro dia, voltamos e nos deparamos com verdadeiras obras de arte ao ar livre, na Praça Benedito Leite, a caminho da Catedral da Sé





No Altar-Mor da Catedral, a Fé e o poder, a magnitude e a crença, lembranças de uma época em que o poder temporal e o espiritual dividiam  a velha cidade


Nos simbolismos antigos, a relação secreta entre a Igreja e a Maçonaria, onde o Olho do Grande Arquiteto encima o Santíssimo Sacramento


Os que ainda repousam o sono eterno no altar próximo à sacristia

Tesouros de Pedra de Lioz, marcas da fé, arte que se fez além do tempo



Foi com muita alegria que pudemos comparecer; minha mãe e suas companheiras ministras de Eucaristia , na sua confraternização na Paróquia de São Pantaleão 


A dança que, de ato votivo aos orixás, se tornou a forma de expressão e luta dos que vieram d'Africa e trouxeram a força de sua cultura em terras brasileiras, nos ágeis movimentos, a poesia de todo um povo.


Nas capelas chamadas Passos de Quaresma - chamadas assim por causa da procissão da Via Dolorosa na quaresma -  encontramos as pessoas na preparação de um Presépio; na dedicação deles, a fé sem floreios, simples e verdadeira



Nos impressionou sobremaneira a imagem do Divino Infante em uma expressão mais natural e espontânea, chorando como qualquer bebê; isso deu uma beleza muito grande ao cenário
Chegamos então ao capítulo de dor e agonia: a Cafua das Mercês, único prédio preservado, em todo o Brasil, dos que eram usados como mercados de escravos, primeiro ponto de muitos recém-chegados nos navios negreiros


No seu interior, m misto de religiosidade, história e cultura afro-brasileira numa exposição interessante , onde objetos votivos se misturavam a instrumentos de suplício, numa energia que, falando a mais pura verdade, foi pra nós uma revelação de como nossa vidas pregressas refletem em muitos acontecimentos presentes; nos sentimos tonteados com a energia de sofrimento ainda a pairar por ali









O Sincretismo Afro-Brasileiro mais que nunca presente, que dá à nossa cultura a marca tão especial que possui.





Os Tambores que ecoam pela cidade, tão bem descritos pelo mágico escritor Josué Montello...Muito ainda iríamos ouvi-los...



Ainda se consegue sentir, nos velhos instrumentos de suplício, a energia das dores passadas...




O outrora poderoso pelourinho, marco de poder colonial, é agora apenas uma figura de história, mas ainda impressiona...

Nessa pedra, chamada de "Pedra de Castigo", os escravos eram submetidos a castigos excruciantes, sua dor ainda ecoa nas paredes da velha casa...



Nas pedras do velho convento, testemunhas mudas do passado, charadas e enigmas para o presente; pedra do altar-mor da antiga igreja das Mercês , parte do complexo do convento, ainda preservado

A imponente fachada do Convento das Mercês, sede da Fundação da Memória Republicana, abriga um acervo artístico-cultural abrangendo a história do próprio convento e a história recente da  República; de convento, foi quartel da Polícia Militar e depois restaurado à sua estrutura original do séc. XVII





Nossa passagem pelo Convento dos Capuchinhos ao lado da Igreja do Carmo, onde uma frase nos toca o coração: "PAZ E BEM", o lema do iluminado São Francisco de Assis
Nossa primeira passagem pela Casa das Minas não foi bem-sucedida, pois a mesma não estava aberta; prometemos voltar depois, e nosso retorno foi muitíssimo bem recompensado; mesmo assim, se podia sentir cada sentença do livro de Josué Montello, "OS TAMBORES DE SÃO LUÍS", em cada parte 


No centro histórico, o pôr-do-sol nos brindou  com o reverberar das luzes sobre os azulejos, onde , no dizer de Aluízio de Azevedo em seu romance O MULATO, "pareciam verter em cascatas de fogo"

Mas o grande encontro entre o religioso e o profano acontece quando adentramos a Feira da Praia Grande, seguindo os sons que, num crescendo irresistível, nos chamou para o coração da  feira, onde descobrimos a mais maranhense de todas as manifestações: o Tambor de Crioula, antiga dança tradicional dos povos mina-gêge, que, de dança sagrada se torna sensualmente profana, especialmente quando as "Corêras" ( dançarinas) , convidam outra pra dançar, no passo da "pungada" (umbigada) no balouçar gingado das cadeiras indomadas...


Volteia Corêra, volteia, que na barra da tua saia encantas os corações"







Para tornar ainda mas especial o momento, encontramos um dos grandes cronistas visuais de nossa cultura, o artista plástico Francisco de Souza Ferreira - FRANSOUFER


Na nossa volta à Casa das Minas, nos deslumbramos com os tambores de séculos, vindos da África, os mesmos tambores que, com certeza, o personagem Damião, do romance de Josué Montello, escuta, no seu caminhar pela cidade, através dos vários capítulos;

Mãe Andreza, cuja história se confunde com a da própria Casa das Minas, quase cem anos de história e tradição


Dona Socorro, esposa do zelador da Casa, nos recebeu com um carinho todo especial, sendo nossa guia pelo local; nos sentimos grandemente honrados de pisar esse solo sagrado, de tão grande importância para a cultura do Maranhão







Como manda a tradição, as comidas das obrigações da festa são feitas no fogo de chão
Outra grande tradição: as águas dos rituais dos voduns são guardadas em potes; reza outra tradição que duas fontes, a do Apicum e a do  Bispo, eram os locais de recolha da água ritual
Chegamos na véspera da festa de Reis; a comida da festa ainda sendo preparada, e percebia-se o gosto e o afinco dados à ocasião; além dela, conhecemos igualmente a indumentária da Corte Imperial na Festa do divino, também organizada pela Casa





Assim, com uma felicidade sem fim, honradíssimos por conhecer esse tão importante espaço de fé e cultura do Maranhão e do Brasil, saímos com o coração enternecido e contagiado pela grandeza da oportunidade e nosso dia, quem sabe pela energia tão positiva que descobrimos lá, transcorreu belo e cheio de coisas boas...
P.S. - E desse jeito fizemos nossa jornada religiosa e cultural pela cidade de São Luís, como se Josué Montello e Aluizio Azevedo nos acompanhassem; mas sentimos igualmente a fé sem adornos ou pompas, a fé que não precisa de nenhuma explicação, apenas de ser sentida no coração.


Na próxima parte dessa nossa narrativa, outro grande tesouro, que ocupa em nossa vida um lugar que não tem igual; a família, em todas as suas nuances e vivências; dessa vez, porém, se faz o reencontrar de anos, o rever de rostos, os abraços tanto tempo não trocados...

Até Lá e Vamos Maranhar!!!!

Para saber um pouco mais:

-    OS TAMBORES DE SÃO LUÍS - Josué Montello

- QUEREBENTÃ DE ZOMANDONU - Prof. Sérgio de Figueiredo Ferretti

-   O MULATO - Aluizio Azevedo