Caros e Caras
Hoje, ao ler a matéria do Yahoo sobre as
críticas à forma física da repórter Fernanda Gentil, não pude deixar de me
lembrar de uma frase que foi mote em uma discussão em que participei há alguns
meses atrás: “sabemos muito bem lutar pela diversidade do ecossistema, mas
desleixamos da luta pelo respeito à diversidade humana”
Como
chegamos a tanto? Lembro de minhas leituras de adolescente, me debruçando sobre
Gilberto Freyre, derrubando o mito da “branquização” do Brasil e levantando a
bandeira da mestiçagem como única saída para as mazelas do preconceito e da
falsa ideia de eugenia que sempre pautou a cabeça de muita gente na época; nos
anos 60, surge o mito da “democracia racial”, onde o Brasil era visto como o
país onde não havia preconceito e nem segregação e que se vivia melhor do que o
malfadado sul dos EUA, onde os negros tinham lugar segregado nos ônibus, nos
bebedouros, banheiros e quaisquer outros espaços de convivência; mas pergunto:
será que vivíamos mesmo essa democracia, desse jeito tão desejado?
Hoje, não nos limitamos mais à raça; queremos regular o tipo físico, os padrões
comportamentais, a vestimenta, a maneira pela qual nos expressamos e as coisas
mais recônditas de nossa intimidade sofrem a patrulha dos que “acham-se
árbitros da maneira certa da sociedade”; será que vivemos, realmente, o que
defendemos quando falamos de “diversidade” e “sustentabilidade”? As duas,
interdependentes, são as inspiradoras do mundo moderno, mas, em muitos
aspectos, são apenas cosméticos que mascaram atitudes muito, muito mesquinhas;
a tendência atual da sociedade em rotular e em criticar aquilo que não se coaduna
com ela, a ponto de atacar de forma virulenta quem não se enquadra, atenta muito
contra o verdadeiro espírito democrático, que, em sua mais límpida expressão,
tem como pilar exatamente a diversidade e o respeito ao direito de todos de
livre escolha e arbítrio sobre suas vidas e opiniões, que vai contra o que mais
se faz nesses tempos de padronização, photshop e botox: o culto a uma perfeição
impossível e a crueldade com quem está “fora dos padrões”; assim, a democracia –
qualquer que seja ela além da política – se reduz à letra e atitude mortas;
As mostras de intolerância – desde impropérios escritos
nas redes sociais à violência homófóbica ou religiosa radical – para não falar
do extremismo com que se trata quem não é da sua “tribo” mais uma vez derruba o
mito das “democracias” e “paraísos de convivência” tão decantados; não sabemos
respeitar o nosso próximo, somos violentos à menor perturbação – a morte do
surfista Ricardo dos Santos numa discussão banal com um policial, que deveria
ser o mais centrado possível numa situação-limite, mostra o quanto somos
intolerantes e afeitos à mais pura e simples violência como resolução para
tudo; numa interessante contradição, nos condoemos do traficante brasileiro
Marco Archer, condenado à morte por um crime que leva tantos e tantos jovens ao
abismo, mas não temos o mesmo pudor ao linchar sem provas uma pessoa por simples
rumores em redes sociais; que democracia é essa em que vivemos? A descrição do
antropólogo Claude Lévy-Strauss do “homem cordial” há muito perdeu o sentido;
somos seres cruéis, capazes de tudo para denegrir, derrubar e vilipendiar o que
quer que nos atravesse o caminho ou seja diferente; a diversidade virou ilusão;
a democracia, falsidade; somos como Narciso, que, no insight sensacional de
Caetano Veloso, “acha feio o que não é espelho”;
Assim somos nós, democratas de fancaria numa falsa
democracia...
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A honra e o privilégio são meus...Muitíssimo Obrigado!!!