domingo, 28 de junho de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - BELÉM - FINAL


O trabalho não rendia.

Por mais que procurasse se concentrar, não conseguia tirar o pensamento da mulher na cama do hospital; precisava entregar o parecer de viabilidade pedido por Emília, mas nada conseguia avançar naquilo que queria; pensou em parar um pouco, dar uma volta, mas sabia que nada daquilo a aquietaria. Os olhos se voltavam para o celular, esperando qualquer notícia da neta de Albertina

Eram exatamente duas horas da tarde quando o celular vibrou e tocou sobre a mesa; Eliza prontamente identificou a ligação e atendeu, o coração acelerado esperando o pior.
- Dona Eliza, sou eu, Jane, neta da Dona Albertina. A vovó acordou e quer falar com a senhora; tem jeito de ser agora?
- Logo estou aí, Jane, é só o tempo de me arrumar e tomar um táxi

Eliza chegou vinte minutos depois , sendo recebida pela médica de plantão, uma moça de cabelos loiros curtos que passou a ela as informações sobre o estado de saúde da velha senhora.
- Ela acordou há mais ou menos quarenta minutos – disse sem pausar a voz – o quadro é estável, mas ela ainda está sem condições de ir nesse momento; precisa ficar mais um dia em observação para que possamos ter certeza de que o quadro se estabilizou completamente.
- Podemos vê-la agora Dra...?
- O meu nome é Laura Doyle; meu plantão se encerra daqui a duas horas; caso a senhora precise de mais informações estarei à disposição.

Eliza agradeceu a atenção e se dirigiu-se ao quarto onde Albertina estava internada; entrou no momento em que a neta arrumava algumas roupas numa sacola, possivelmente para lavar.
- Dona Eliza, que bom que a senhora veio, preciso falar muito com a senhora. É muito importante.
- Imagino que seja, Dona Albertina, mas não se exalte, precisa descansar para se recuperar mais rápido.
- Ligue não pra esses aí de jaleco branco – disse ela apontando para a enfermeira que acabava de entrar – eles não sabem de nada.

A enfermeira, pacientemente, ajustou o tensiômetro no braço de Albertina e começou a bombear, ajustando o medidor para sentir a pulsação; minutos depois levantou a cabeça e sorriu.
- 11 por 7; está muito bem! Logo a senhora vai ter alta - disse no mesmo sorriso.

A enfermeira saiu no mesmo passo silencioso, enquanto Albertina retomava a conversa.
- Eu tenho de pedir o seu perdão, porque eu não contei tudo a respeito da amizade entre o seu pai e o meu avô; fiquei desconfiada que a senhora fosse outro tipo de pessoa e queria paz na minha vida. Me perdoe.
- Não há o que perdoar, Dona Albertina; não dá mais mesmo para confiar em ninguém nesse mundo louco.
- Mas eu devia ter contado que conhecia o seu pai dede o começo, tinha resolvido isso logo.
- Agora isso já passou Dona Albertina, a senhora tem é que descansar.
- Mas eu quero que a senhora fique com a caixa da minha mãe; acho que é melhor que fique em boa mão e prefiro que seja a senhora que fique com ela; tomei a decisão de aceitar a ajuda que o seu pai deixou pra mim, mas não pro meu uso e sim da minha neta; ela merece mais do que ninguém, sacrificando a mocidade pra cuidar de uma velha como eu;
- Resolvemos isso depois; agora descanse.

Despediram-se com um abraço apertado e, logo depois de tomar as informações do estado geral dela pela Dra. Laura, preparava-se para ir embora quando o celular tocou; atendeu rápido sem identificar a chamada. Era Emília, procurando saber se ela precisaria do motorista para o dia seguinte e como estava o andamento do parecer sobre o projeto. Desconversando, Eliza disse que faltavam apenas dois dias para que concluísse tudo, igualmente declinando do motorista. Combinou de ligar assim que estivesse no flat.

No dia seguinte, telefonou para o hospital para saber se Albertina já tinha tido alta; por sorte, os papéis já estavam sendo emitidos e ela iria sair às nove e meia da manhã. Eliza chegou no momento em que ela estava assinando a alta; enquanto arrumavam a bagagem, ela se dirigiu à secretaria do hospital para assinar o pedido de autorização do convênio médico. No mesmo momento, ligou para o banco, onde já iria começar os procedimentos de transferência do dinheiro para a velha senhora.

Quando saiu, Albertina já estava no táxi, apenas aguardando por ela; entrou e deu o endereço ao taxista. As duas não trocaram palavra até chegarem; Jane desceu primeiro, o motorista ajudando a levar a bagagem para a casa, enquanto Eliza ajudava Albertina a descer. Já em casa, levaram-na para o quarto, onde a puseram na cama; já de posse da receita fornecida pelo médico, pediu a Jane o telefone de uma farmácia nas proximidades que fizesse entregas em domicilio. A jovem apontou para um pequeno panfleto sobre o criado-mudo, um anúncio de uma farmácia inaugurada recentemente na rua; lembrou-se então que o medicamento era controlado, a receita teria de ficar retida no estabelecimento; não era longe, apenas duas quadras da casa; voltou alguns minutos depois, já com a caixa de medicamentos nas mãos; quando voltou ao quarto para administrar o remédio, Albertina estava sentada na cama, com uma caixa de papelão coberta por um revestimento que lembrava um papel de parede antigo.
- Esta é a caixa de guardados da minha mãe, Dona Eliza, tudo o que a senhora queria saber está aí, entre esses guardados; fico a perguntar o interesse num monte de coisas velhas.
- É uma coisa que devo a meu pai. Uma longa história.
- Mais uma vez me perdoe por não ter contado o que eu sabia desde o começo, senhora, mas, sabe como é, quando a esmola é demais...
- Não se preocupe. Eu tomei todas as providências para que a senhora receba o dinheiro deixado por meu pai; tenho certeza de que será bem usado.
- Como eu disse, é pra minha neta, uma ajuda pro futuro dela e uma paga por ela ser tão dedicada e cuidar de mim.
- Eu queria que a senhora falasse mais a respeito de como conheceu meu pai, Dona Albertina
- É história comprida, mas eu falo uns pedaços. Seu pai veio aqui faz tempo, eu ainda era solteira, pra falar do meu avô; disse que tinha conhecido ele, que tinha morrido num hospital em São Luis do Maranhão e que estava providenciando um jeito dele ser trazido pra cá e enterrado aqui. De começo fiquei desconfiada, senhora, achando que era alguma pilantragem, até que ele mostrou uma foto do meu avô no hospital com ele, como se tivessem conversando. Ele me disse que quando pudesse iria ajudar de algum jeito. Me espantei quando recebi um telegrama de que o corpo do meu avô estava chegando e que eu devia me preparar para fazer o enterro; tudo foi feito no nome dele, até o jazigo aqui na Soledade; depois ele disse que viria e tentaria ajudar mais; depois disso não tive mais notícia e acabei esquecendo; nem tive tempo de agradecer pelo meu avô. As coisas estão aí, veja no que elas podem ajudar; sou muito grata por cuidar disso;

Eliza segurou a caixa com cuidado, receosa do papelão se desmanchar; sentiu, porém, que estava firme, como se fosse algo mais recente
- Não se apoquente, isso é coisa boa, coisa fina, que não se desmancha fácil como as coisas de hoje;

Eliza sorriu e abraçou Albertina com um carinho que há muito não tinha por alguém; não sabia explicar o gesto, ela tão hierática e formal com as pessoas; aceitou um café que Jane oferecera e sorveu prazerosamente, enquanto conversava de outros assuntos com a velha senhora. Por fim, se despediu dela, mas pediu à neta que mantivesse contato sempre que precisasse; iria ficar ainda mais alguns dias na cidade antes de voltar ao Rio, mas queria saber de cada passo da recuperação dela.

Ao chegar no flat , sentiu uma imensa vontade de nada fazer, de ficar apenas quieta, sem nada pensar ou fazer; tomou um banho, foi para o quarto, deitou-se e, no afã de querer o sono, sem saber nem sequer o porquê, chorou.

O parecer ficou pronto três dias depois, mas chegou igualmente a notícia de que, devido a alguns aspectos não explicados, o projeto teria de ser adiado; Eliza tentou descobrir o que tinha acontecido, mas desta vez encontrou uma Emília evasiva, de expressão contrafeita, como se algo importante não tivesse seguido adiante. Conversaram rapidamente, a outra simplesmente agradecendo pelos serviços e passando o comprovante de uma ordem de pagamento em que reembolsava as despesas que ela pudesse ter feito;

Era um fim de tarde nublado quando Eliza tomou o taxi do flat para o aeroporto de Val de Cans; passou a manhã inteira na casa de Albertina, onde terminou a conversa anterior e entregou a ela o comprovante da transferência do dinheiro deixado por Silvano; abraçou-a longamente na hora da partida, ambas prometendo não deixar de mandar notícias; depois, despediu-se de Jane e tomou o táxi para o aeroporto. Muito mais coisas iriam contar mais histórias....

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