quinta-feira, 1 de maio de 2014

Crônicas da Casa Alta 6

Incrível como basta uma pequena memória para desencadear o caudal de recordações e episódios tão adormecidos em sua mente, sem sequer um aviso ou mesmo o menor laivo de pressentimento; eles simplesmente vêm, como uma pequena torrente no inicio, mas depois um pujante e poderoso afluente de lembranças... Eu falava antes dos paladares, dos gostos, dos sabores, que simplesmente se aderem aos nossos pensamentos como marcas indeléveis; agora, porem, falarei dos sons, dos barulhos, que, longe de ser incômodo que muitos adoram alardear, eram, na minha mente e no meu coração de criança, linguagens que eu procurava traduzir, para compreender o mundo ao me redor... O dia começava com a sineta do leiteiro, que batia de porta em porta pra vender o seu leite fresquinho; eu, que acordava primeiro, era que o via se aproximar no começo da rua e dava já o aviso pra minha avó que me dava o dinheiro pra pagá-lo e levar os vasilhames vazios, que eram trocados pro vasilhames cheios de leite fresquinho, que era fervido e servido no cafe da manhã; depois eram os sons dos pregoeiros que passavam vendendo as mais variadas coisas, desde carvão - que minha avó comprava para preparar a torta de camarão, concorridíssimo prato de almoço - até objetos feitos com latas de óleo, que iam desde lamparinas até plataformas de cozinhar arroz - que se colocavam no bico do fogão pra retardar o cozimento e evitar que o arroz queimasse; o som que eu mais amava, porém, era o do sorveteiro que vendia ou sorvete de coco ou o misto com bacuri, que eu amava de montão - olha aí o paladar entrando de novo na história...Daí os sons que vinham eram os da algazarra na escola, até por volta das cinco da tarde, quando eu voltava pra casa, de mãos dadas ou com minha mãe ou com Maria do Carmo; daí, então, se seguiam os do burburinho das conversas de minha mãe, minhas tias e minha avó e meu avô; então, já era hora de ir pra cama, e começar mais um dia...

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A honra e o privilégio são meus...Muitíssimo Obrigado!!!